Fui assistir ao filme “Táxi
Teerã”, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim, do diretor iraniano
Jafar Panahi.
É simplesmente um filme adorável,
mas, caso o título do filme já não denunciasse onde se passaria a narrativa,
ficaríamos em dúvida nas primeiras cenas do filme. Eu mesma me vi transportada
para o centro de São Paulo, nas proximidades entre o Mercado Municipal e a
Praça da República e só voltei à realidade quando comecei a perceber várias
mulheres com véus ou burca e que também não conseguia ler nada do que estava
escrito nos letreiros. Essa sensação é que me fez analisar o filme por outra
perspectiva e sugeriu inclusive a abordagem do texto.

Os primeiros passageiros são um
homem e uma mulher que começam a brigar, usando argumentos inusitados sobre a
validade da pena de morte. O outro passageiro, um vendedor de produtos piratas,
começa a falar sobre cinema alternativo e dos filmes que sem o “trabalho
cultural” dele jamais seriam exibidos no país. Em seguida entra um casal, cujo
marido foi atropelado e apesar de estar aparentemente à beira da morte, inicia
um cômico diálogo com a mulher o condutor do táxi, representado pelo próprio Jafar
Panahi, revelando o dia a dia das relações maritais e familiares da população.
Tem as duas senhoras com seu engraçado aquário, contendo dois peixinhos e que
acreditam que se não os jogarem em uma determinada fonte em um ponto distante
da cidade, exatamente ao meia dia, irão morrer. Situação que nos revela o
pensamento místico da população.
Em seguida vem a sobrinha do taxista, a qual
precisa fazer um filme “exibível” como atividade da escola e por conta dessa
necessidade, estabelece um interessante diálogo com um menino catador de
latinhas em um momento que fica sozinha no veículo. E por fim, na reta final do
filme, tem a mulher das rosas que discute a absurda prisão de uma mulher por
esta tem violado a lei ao assistir um jogo de vôlei, culminando com a tentativa
de roubo da câmara do carro, em uma tentativa óbvia de censura.
Ao término do filme estabeleceu-se
em mim um sensação estranha, difícil de definir a princípio. O primeiro
pensamento foi: nossa, como a realidade deles é diferente da nossa! Mas logo em
seguida a esse raciocínio, a sensação voltou e pensei: mas será tão diferente
assim?
Às vezes, mesmo que inconscientemente,
muitos de nós podemos ter a impressão que somos um país mais “civilizado” ou
“evoluído” do que países islâmicos. Essa crença, normalmente é reforçada por
eventos terroristas que muito bem manipulados por uma mídia sensionalista, nos faz
acreditar que todos que se dizem mulçumanos são terroristas em potencial.
Mas fiquei pensando, será que
somos tão diferentes assim?
Tudo bem, podemos pensar, no
Brasil não existe pena de morte. Mas será que não existe mesmo? E as pessoas
que morrem todos os dias executadas anonimamente, condenadas pela violência
oriunda de uma desigualdade social gigantesca? Podemos não executar pelas Leis
formais, mas executamos na informalidade do descaso.
Podemos pensar que no Brasil nos
é permitido nos expressarmos livremente e que temos acesso à cultura de uma
forma geral e, portanto, os vendedores de filmes piratas no país tem o objetivo
somente de sobreviver, já que estes também são exibidos em grandes telas ou
podem ser acessados pela internet. Mas e para aqueles que não podem pagar para
si mesmo e suas famílias, mesmo recebendo o benefício de R$ 50,00 mensais
concedido pelo empregador como Vale Cultura? Uma cidade como São Paulo pode
até oferecer cultura gratuita em muitos locais, mas essa não é a realidade
geral nem mesmo na região metropolitana paulista, muito menos do país. E nesse
ponto, para que esse texto não fique gigantesco, nem irei me aprofundar com
relação à repressão violenta a muitas das manifestações que vem acontecendo no
país. Mas não podemos esquecer que educação e cultura libertam mentes e que o
nosso país nesse sentido vem deixando a desejar...
Podemos pensar que no Brasil
tratamos melhor nossas mulheres e que estas tem direitos. Mas as estatísticas
vem nos mostrando que ainda temos um longo caminho a percorrer para que o
respeito se instale de fato em nossa sociedade. E que se não temos a nossa
liberdade cerceada porque fomos assistir a um jogo de vôlei, a temos pela
violência e o desrespeito velados que nos fazem acreditar que somos culpadas
pelos abusos que sofremos, já que não nos comportamos ou nos vestimos como
deveríamos.
Podemos pensar que no Brasil
temos a liberdade de expressar a nossa individualidade, mas esquecemos que
muitos de nós somos orientados em nosso dia a dia a mostrar um “filme exibível”
de nossas vidas para que sejamos aceitos socialmente, por meio da exibição da
roupa adequada, do imóvel adequado, do celular adequado, do nível de instrução
adequado, do comportamento adequado, das respostas adequadas e por aí vai. Além
de delegarmos, muitas vezes, toda a responsabilidade de transformação de nós
mesmos e consequentemente social, a terceiros, devido a um pensamento mítico
ingênuo que já estamos fazendo a nossa parte ao realizarmos ritos exteriores
esvaziados de um sentido maior.
Por fim, mesmo não tendo a
pretensão, além de ter a consciência da impossibilidade de esgotar um assunto
tão complexo como esse em um simples texto de análise de um filme, gostaria de
finalizar essa reflexão dizendo que para mim, o filme trouxe a mensagem de que,
na verdade, somos todos seres humanos, vivendo, amando, errando, aprendendo. E
que Ser Humano, no que há de mais belo em nossa Humanidade,
depende do esforço individual de cada um, independentemente do país em que a
pessoa more. E não de pretensas superioridades ou inferioridades, que são, na
verdade, passadas a nós por informações que distorcem a realidade.
Luciana Farias
Fonte imagem: http://cinema10.com.br/filme/taxi-teera.
Nenhum comentário:
Postar um comentário