23 de novembro de 2015

Tem certeza que é somente em Teerã?!!!



Fui assistir ao filme “Táxi Teerã”, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim, do diretor iraniano Jafar Panahi.
É simplesmente um filme adorável, mas, caso o título do filme já não denunciasse onde se passaria a narrativa, ficaríamos em dúvida nas primeiras cenas do filme. Eu mesma me vi transportada para o centro de São Paulo, nas proximidades entre o Mercado Municipal e a Praça da República e só voltei à realidade quando comecei a perceber várias mulheres com véus ou burca e que também não conseguia ler nada do que estava escrito nos letreiros. Essa sensação é que me fez analisar o filme por outra perspectiva e sugeriu inclusive a abordagem do texto.
A ideia não é inédita e o formato até lembra um pouco o Táxi do Gugu ou do Luciano Huck, ou seja, uma câmera instalada no carro, ora voltada para a rua à frente ora voltada para os passageiros do veículo. Mas a forma ágil e poética, deixando transparecer uma argumentação inteligente que conduz a narrativa do filme, faz com que este seja envolvente e engraçado ao mesmo tempo, apesar de tratar de temas pesados em aparentes conversas descontraídas sobre fatos do cotidiano do país.
Os primeiros passageiros são um homem e uma mulher que começam a brigar, usando argumentos inusitados sobre a validade da pena de morte. O outro passageiro, um vendedor de produtos piratas, começa a falar sobre cinema alternativo e dos filmes que sem o “trabalho cultural” dele jamais seriam exibidos no país. Em seguida entra um casal, cujo marido foi atropelado e apesar de estar aparentemente à beira da morte, inicia um cômico diálogo com a mulher o condutor do táxi, representado pelo próprio Jafar Panahi, revelando o dia a dia das relações maritais e familiares da população. Tem as duas senhoras com seu engraçado aquário, contendo dois peixinhos e que acreditam que se não os jogarem em uma determinada fonte em um ponto distante da cidade, exatamente ao meia dia, irão morrer. Situação que nos revela o pensamento místico da população.
Em seguida vem a sobrinha do taxista, a qual precisa fazer um filme “exibível” como atividade da escola e por conta dessa necessidade, estabelece um interessante diálogo com um menino catador de latinhas em um momento que fica sozinha no veículo. E por fim, na reta final do filme, tem a mulher das rosas que discute a absurda prisão de uma mulher por esta tem violado a lei ao assistir um jogo de vôlei, culminando com a tentativa de roubo da câmara do carro, em uma tentativa óbvia de censura.
Ao término do filme estabeleceu-se em mim um sensação estranha, difícil de definir a princípio. O primeiro pensamento foi: nossa, como a realidade deles é diferente da nossa! Mas logo em seguida a esse raciocínio, a sensação voltou e pensei: mas será tão diferente assim?
Às vezes, mesmo que inconscientemente, muitos de nós podemos ter a impressão que somos um país mais “civilizado” ou “evoluído” do que países islâmicos. Essa crença, normalmente é reforçada por eventos terroristas que muito bem manipulados por uma mídia sensionalista, nos faz acreditar que todos que se dizem mulçumanos são terroristas em potencial.
Mas fiquei pensando, será que somos tão diferentes assim?
Tudo bem, podemos pensar, no Brasil não existe pena de morte. Mas será que não existe mesmo? E as pessoas que morrem todos os dias executadas anonimamente, condenadas pela violência oriunda de uma desigualdade social gigantesca? Podemos não executar pelas Leis formais, mas executamos na informalidade do descaso.
Podemos pensar que no Brasil nos é permitido nos expressarmos livremente e que temos acesso à cultura de uma forma geral e, portanto, os vendedores de filmes piratas no país tem o objetivo somente de sobreviver, já que estes também são exibidos em grandes telas ou podem ser acessados pela internet. Mas e para aqueles que não podem pagar para si mesmo e suas famílias, mesmo recebendo o benefício de R$ 50,00 mensais concedido pelo empregador como Vale Cultura? Uma cidade como São Paulo pode até oferecer cultura gratuita em muitos locais, mas essa não é a realidade geral nem mesmo na região metropolitana paulista, muito menos do país. E nesse ponto, para que esse texto não fique gigantesco, nem irei me aprofundar com relação à repressão violenta a muitas das manifestações que vem acontecendo no país. Mas não podemos esquecer que educação e cultura libertam mentes e que o nosso país nesse sentido vem deixando a desejar...
Podemos pensar que no Brasil tratamos melhor nossas mulheres e que estas tem direitos. Mas as estatísticas vem nos mostrando que ainda temos um longo caminho a percorrer para que o respeito se instale de fato em nossa sociedade. E que se não temos a nossa liberdade cerceada porque fomos assistir a um jogo de vôlei, a temos pela violência e o desrespeito velados que nos fazem acreditar que somos culpadas pelos abusos que sofremos, já que não nos comportamos ou nos vestimos como deveríamos.
Podemos pensar que no Brasil temos a liberdade de expressar a nossa individualidade, mas esquecemos que muitos de nós somos orientados em nosso dia a dia a mostrar um “filme exibível” de nossas vidas para que sejamos aceitos socialmente, por meio da exibição da roupa adequada, do imóvel adequado, do celular adequado, do nível de instrução adequado, do comportamento adequado, das respostas adequadas e por aí vai. Além de delegarmos, muitas vezes, toda a responsabilidade de transformação de nós mesmos e consequentemente social, a terceiros, devido a um pensamento mítico ingênuo que já estamos fazendo a nossa parte ao realizarmos ritos exteriores esvaziados de um sentido maior.
Por fim, mesmo não tendo a pretensão, além de ter a consciência da impossibilidade de esgotar um assunto tão complexo como esse em um simples texto de análise de um filme, gostaria de finalizar essa reflexão dizendo que para mim, o filme trouxe a mensagem de que, na verdade, somos todos seres humanos, vivendo, amando, errando, aprendendo. E que Ser Humano, no que há de mais belo em nossa Humanidade, depende do esforço individual de cada um, independentemente do país em que a pessoa more. E não de pretensas superioridades ou inferioridades, que são, na verdade, passadas a nós por informações que distorcem a realidade.
Luciana Farias

 

Fonte imagem: http://cinema10.com.br/filme/taxi-teera.

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