19 de setembro de 2016

Aquarius: um Filme de Resistência ou Apego?

 O filme  Aquarius, chamou-me a atenção antes mesmo de ser exibido ao grande público, devido a um tal boicote em torno dele.  Todavia, não sabia exatamente o que eu estava esperando encontrar, além do fato de que estava curiosa e que se tratava da história de uma mulher, que morava há décadas em um edifício antigo de frente para a praia de Boa Viagem, em Recife.

A história gira em torno da recusa da protagonista em sair do prédio, mesmo sabendo que este estava em processo de ser adquirido por uma construtora que pretendia derrubá-lo para construir um condomínio de luxo. E ao longo da narrativa, Kleber Mendonça vai colocando o foco nas relações humanas, as quais vão se tecendo ao longo da história e nos fazem refletir em nossos próprios conceitos de sociedade, família e o outro.
Fiquei pensando a partir de qual perspectiva abordar para um texto de blog, haja vista que o filme remete a diferentes possibilidades. Poderia abordar a partir de uma reflexão a respeito da verticalização excessiva que o espaço urbano vem sofrendo, conforme discutiu a estudante Larissa Rodrigues, a especulação imobiliária e da influência do capital, conforme foi discutido recentemente no texto do estudante Walmir Jun ou ainda, em como a mídia e a publicidade vem contribuindo na transformação da forma com que nos relacionamos com a natureza, por meio de anúncios convidativos, como por exemplo, “Atenda o chamado da natureza”, possuímos um “Espaço zen”, “Bosque”, “Espaço Gourmet”, “Cascata e lagos com gansos e peixes”, “Pista de bicicross” e “vias que pouco agridem a topografia natural do lugar”, conforme discutiu a estudante Daniele Bispo em seu texto para o blog. Essas três possibilidades eram viáveis, haja vista que a relação entre a protagonista e a construtora fornecem material para reflexões nessas direções.

Decidi pela perspectiva, que em minha opinião seria pouco abordada, haja vista o alto grau de distanciamento de nós mesmos e individualismo em que nos encontramos atualmente. A perspectiva do autoconhecimento tal como preconiza a Ecologia Profunda, a Ecologia Integral e a Educação Ambiental Transpessoal.
Em minha leitura, o filme também trata dos nossos apegos. Nesse caso, o papel do apego entre adultos, particularmente com relação a seus pensamentos,  percepções e comportamentos.

Segundo, o psiquiatra John Bowlby o apego seria um mecanismo básico dos seres humanos, portanto, biologicamente programado, como o mecanismo de alimentação e da sexualidade, sendo considerado como um sistema de controle homeostático, que funciona dentro de um contexto de outros sistemas de controle comportamentais. Nesse sentido, não poderíamos sobreviver como espécie se não tivéssemos apego a nada. Por outro lado, existem evidências de que as crianças também se apegam a figuras abusivas sugerindo que o sistema do comportamento de apego é complexo e não é conduzido apenas por simples associações de prazer. E conforme preconiza Bowby, em sua Teoria do Apego (TA), as primeiras relações de apego, estabelecidas na infância, afetariam o estilo de apego do indivíduo ao longo de sua vida.
Nesse sentido, fiquei me perguntando, que tipos de relações estabelecidas na infância estabeleceriam aquele tipo de padrão de apego da protagonista? A personagem era, segundo minha percepção, excessivamente apegada ao passado, precisando inclusive, estar cercada da materialidade representativa da sua história, que no filme eram simbolizados principalmente pelos discos e pelo seu apartamento.

É lógico que é inegável o direito de que a personagem tem, em não querer sair do apartamento ou ter sua vontade violentada pelas pressões, seja dos familiares, dos vizinhos ou da construtora, haja vista que o ambiente que a cercava fazia parte da sua história de vida. Mas o fato de não conseguir abrir mão não sugere um certo saudosismo? Uma vontade renitente de manter algo que ela já não tinha?
Nós carregamos, no corpo e no coração, nossa história e cicatrizes. Será que precisamos desse excessivo apego a outros elementos para nos fazer viajar por nossa história? É claro que a nossa percepção e lembranças vão se alterando com o passar do tempo e a nossa memória, por vezes, nos prega peças, mas fazer novas releituras de nossa vida e da nossa história podem nos trazer novas perspectivas para eventos dolorosos e com isso nos trazer paz.

É natural do nós seres humanos nos prendermos a coisas, pessoas e situações. Mas o novo só poderá chegar se estivermos livres desse apego excessivo ao passado. E isso vale também para os nossos velhos hábitos de consumo, haja vista que consumimos e acumulamos excessivamente e com um tal apego, talvez na expectativa que essas coisas preencham o nosso vazio existencial.
Luciana Farias
 
Referências Bibliográficas
CAPRA, F. Alfabetização ecológica. São Paulo: Cultrix, 2001.

DALBEM, J. X.; DELL'AGLIOI, D. Teoria do apego: bases conceituais e desenvolvimento dos modelos internos de funcionamento. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 57, n.1, 2005.
FARIAS, L.A. Educação Ambiental Transpessoal. Curitba: CRV, 2016.

NAESS, A. Ecology, community and lifestyle: outline of an ecosophy. Cambridge, UK:  Cambridge University Press, 1989.

WILBER. K. A visão integral. São Paulo: Cultrix, 2012.

 
Fonte Imagens:

2 comentários:

  1. Adorei a sua crítica a esse filme Luciana Farias. Quando eu o assisti, gostei muito muito de sua produção. Confesso que fiquei ansioso para saber o seu conteúdo justamente devido às polêmicas em torno de sua divulgação. Mas fiquei surpreso, pois o filme não é nem um pouco pesado na sua crítica social, ele trata de maneira leve as questões subjetivas e interpessoais em torno da personagem principal. Que aliás é uma excelente atriz (o momento em que ela começa a chorar e a cena é um plano sequência completamente sem cortes é fantástico).

    Enfim, a crítica de viés psicanalítico é bem acertada. Parabéns.

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    1. Obrigada, para mim um filme é muito rico quando permite tal diversidade de perspectivas e acho que Aquarius é um filme assim, o qual, dependendo do ângulo que estamos observando nos faz refletir sobre as diferentes dimensões do ser humano e da vida cotidiana.

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