O filme Aquarius, chamou-me a atenção antes mesmo de
ser exibido ao grande público, devido a um tal boicote em torno dele. Todavia, não sabia exatamente o que eu estava
esperando encontrar, além do fato de que estava curiosa e que se tratava da
história de uma mulher, que morava há décadas em um edifício antigo de frente
para a praia de Boa Viagem, em Recife.
A história gira em torno da recusa da protagonista em sair do
prédio, mesmo sabendo que este estava em processo de ser adquirido por uma
construtora que pretendia derrubá-lo para construir um condomínio de luxo. E ao
longo da narrativa, Kleber Mendonça vai colocando o foco nas relações humanas,
as quais vão se tecendo ao longo da história e nos fazem refletir em nossos
próprios conceitos de sociedade, família e o outro.
Fiquei pensando a partir de qual perspectiva abordar para um
texto de blog, haja vista que o filme remete a diferentes possibilidades.
Poderia abordar a partir de uma reflexão a respeito da verticalização excessiva
que o espaço urbano vem sofrendo, conforme discutiu a estudante Larissa
Rodrigues, a especulação imobiliária e da influência do capital, conforme foi
discutido recentemente no texto do estudante Walmir Jun ou ainda, em como a
mídia e a publicidade vem contribuindo na transformação da forma com que nos
relacionamos com a natureza, por meio de anúncios convidativos, como por
exemplo, “Atenda o chamado da natureza”, possuímos um “Espaço zen”, “Bosque”,
“Espaço Gourmet”, “Cascata e lagos com gansos e peixes”, “Pista de bicicross” e
“vias que pouco agridem a topografia natural do lugar”, conforme discutiu a
estudante Daniele Bispo em seu texto para o blog. Essas três possibilidades
eram viáveis, haja vista que a relação entre a protagonista e a construtora
fornecem material para reflexões nessas direções.
Decidi pela perspectiva, que em minha opinião seria pouco
abordada, haja vista o alto grau de distanciamento de nós mesmos e
individualismo em que nos encontramos atualmente. A perspectiva do
autoconhecimento tal como preconiza a Ecologia Profunda, a Ecologia Integral e
a Educação Ambiental Transpessoal.
Em minha leitura, o filme também trata dos nossos apegos.
Nesse caso, o papel do apego entre adultos, particularmente com relação a seus
pensamentos, percepções e comportamentos.
Segundo, o psiquiatra John Bowlby o apego seria um mecanismo
básico dos seres humanos, portanto, biologicamente programado, como o mecanismo
de alimentação e da sexualidade, sendo considerado como um sistema de controle
homeostático, que funciona dentro de um contexto de outros sistemas de controle
comportamentais. Nesse sentido, não poderíamos sobreviver como espécie se não
tivéssemos apego a nada. Por outro lado, existem evidências de que as crianças
também se apegam a figuras abusivas sugerindo que o sistema do comportamento de
apego é complexo e não é conduzido apenas por simples associações de prazer. E
conforme preconiza Bowby, em sua Teoria do Apego (TA), as primeiras relações de
apego, estabelecidas na infância, afetariam o estilo de apego do indivíduo ao
longo de sua vida.
Nesse sentido, fiquei me perguntando, que tipos de relações
estabelecidas na infância estabeleceriam aquele tipo de padrão de apego da
protagonista? A personagem era, segundo minha percepção, excessivamente apegada
ao passado, precisando inclusive, estar cercada da materialidade representativa
da sua história, que no filme eram simbolizados principalmente pelos discos e
pelo seu apartamento.
É lógico que é inegável o direito de que a personagem tem, em
não querer sair do apartamento ou ter sua vontade violentada pelas pressões,
seja dos familiares, dos vizinhos ou da construtora, haja vista que o ambiente
que a cercava fazia parte da sua história de vida. Mas o fato de não conseguir abrir
mão não sugere um certo saudosismo? Uma vontade renitente de manter algo que ela
já não tinha?
Nós carregamos, no corpo e no coração, nossa história e
cicatrizes. Será que precisamos desse excessivo apego a outros elementos para
nos fazer viajar por nossa história? É claro que a nossa percepção e lembranças
vão se alterando com o passar do tempo e a nossa memória, por vezes, nos prega
peças, mas fazer novas releituras de nossa vida e da nossa história podem nos
trazer novas perspectivas para eventos dolorosos e com isso nos trazer paz.
É natural do nós seres humanos nos prendermos a coisas,
pessoas e situações. Mas o novo só poderá chegar se estivermos livres desse
apego excessivo ao passado. E isso vale também para os nossos velhos hábitos de
consumo, haja vista que consumimos e acumulamos excessivamente e com um tal
apego, talvez na expectativa que essas coisas preencham o nosso vazio
existencial.
Luciana Farias
Referências
Bibliográficas
CAPRA, F. Alfabetização ecológica. São Paulo: Cultrix, 2001.
DALBEM, J. X.; DELL'AGLIOI, D. Teoria do apego: bases
conceituais e desenvolvimento dos modelos internos de funcionamento. Arquivos
Brasileiros de Psicologia, v. 57, n.1, 2005.
FARIAS, L.A. Educação Ambiental Transpessoal. Curitba: CRV,
2016.
NAESS, A. Ecology, community and lifestyle: outline of
an ecosophy. Cambridge, UK: Cambridge
University Press, 1989.
WILBER. K. A visão integral. São Paulo: Cultrix, 2012.
Fonte
Imagens:
Adorei a sua crítica a esse filme Luciana Farias. Quando eu o assisti, gostei muito muito de sua produção. Confesso que fiquei ansioso para saber o seu conteúdo justamente devido às polêmicas em torno de sua divulgação. Mas fiquei surpreso, pois o filme não é nem um pouco pesado na sua crítica social, ele trata de maneira leve as questões subjetivas e interpessoais em torno da personagem principal. Que aliás é uma excelente atriz (o momento em que ela começa a chorar e a cena é um plano sequência completamente sem cortes é fantástico).
ResponderExcluirEnfim, a crítica de viés psicanalítico é bem acertada. Parabéns.
Obrigada, para mim um filme é muito rico quando permite tal diversidade de perspectivas e acho que Aquarius é um filme assim, o qual, dependendo do ângulo que estamos observando nos faz refletir sobre as diferentes dimensões do ser humano e da vida cotidiana.
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