Era um sábado à noite,
na praça do terminal de ônibus no bairro da Lapa, zona Oeste de São Paulo. Eu,
juntamente com um grupo de jovens, fazia uma ação social de entrega de café com
leite e pão francês com frios às pessoas em situação de rua do entorno.
Coincidentemente, havia outro grupo realizando o mesmo trabalho porem
entregando marmitex. Cumprimentamos-nos cordialmente e os questionamos os
locais onde não haviam entregado.
Seguimos nosso trajeto e, nos deparamos com um senhor descalço, com a carga dentaria prejudicada pelo tempo e circunstâncias e, carregando um saco com os seus pertences. Aproximamos-nos e perguntamos: O senhor aceita um lanche? E, para nossa surpresa a resposta foi: Obrigado, eu já comi, mas ali na praça tem gente que não comeu. Levem para eles.
Seguimos nosso trajeto e, nos deparamos com um senhor descalço, com a carga dentaria prejudicada pelo tempo e circunstâncias e, carregando um saco com os seus pertences. Aproximamos-nos e perguntamos: O senhor aceita um lanche? E, para nossa surpresa a resposta foi: Obrigado, eu já comi, mas ali na praça tem gente que não comeu. Levem para eles.
A generosidade do homem
me fez refletir se realmente sabemos quem são esses indivíduos, os quais
denominamos “moradores de rua”. É necessário irmos além de simplesmente e
ocasionalmente sairmos do conforto dos nossos lares para caridosamente olhar
para esse grupo social, que nos demais dias, normalmente, nos passam despercebidos
no corre, corre do nosso dia a dia. Precisamos refletir sobre as diferentes representações
que esses indivíduos podem adquirir em nossa sociedade, ampliando essa reflexão
para comportamentos e tendências políticas, econômicas e sociais ou
alternativas aos modos de vida da sociedade contemporânea.
Podemos começar pelas
representações ou rótulos utilizados tanto para classificar como diferenciar pessoas
em situação de rua: indistinguíveis, marginais, vítimas, fora dos padrões de
civilidade, carentes de atendimento pelos serviços públicos, pessoas que tem direitos
e pessoas fora do mercado de trabalho. Algumas vezes ainda são tratados como
pertencentes à classe trabalhadora, mas em condições de miséria extrema e
diferenciados como abaixo dessa classe. Lembrando que o “mendigo” dos
primórdios da modernidade, para Marx, era fruto de dois processos: expropriação
e legislação, ou seja, os “mendigos” dos séculos XIV ao XVI eram ex-camponeses
que perderam suas terras e migraram para as cidades e, então foram enquadrados
em leis que regulavam suas condutas nesse novo meio social. As leis
estabeleciam quem e quando podiam mendigar. Mas com o passar do tempo e mudanças
ocorridas nas sociedades, particularmente a partir da década de 1980, as
representações de quem seriam os “mendigos” começaram a mudar, passando as
pessoas em situação de rua, por serem vítimas de maior incidência de leis e
políticas, receberem o rótulo de mendigos e passam a serem punidas pela sua
presença e atitude. Sendo também associados à criminalidade. Porém, estudos
sociais, estatisticamente vem demonstrando que a criminalidade cometida por pessoas
em situação de rua é muito menor do que por não-moradores. Estes, normalmente,
são vítimas da condição de sem teto e da omissão do Estado que deveria garantir
o direito constitucional a um abrigo.
Por outro lado, a
situação também é paradoxal, pois, a população expressa que, por um lado são
necessárias políticas de assistência social aos “miseráveis” e, ao mesmo tempo,
há preconceito em relação às pessoas em situação de rua. Estes, para a
sociedade, vestem capas que os tornam invisíveis. Sim, aquela mesma presente na
saga Harry Potter que torna seu usuário completamente
invisível e dura para todo o sempre, ocultando-o de forma constante e impenetrável
desde que o vento não a carregue ou o indivíduo não se denuncie fazendo algum
barulho, exemplificado nesse texto por algum comportamento ou atitude
considerados fora dos padrões, praticados por aqueles indivíduos que compõem o
segmento invisível em nossa sociedade.
Continuemos sim a distribuir lanches e
cobertores, principalmente nos meses de intenso frio, pois é importante sermos
solidários e fraternos, porém, precisamos sair da zona de conforto da nossa
ingenuidade romântica e ampliarmos nossa reflexão a respeito de quem são os
“mendigos” da atualidade e porque se constituem como tal. E quais serão as
questões socioambientais que compõem essa problemática, bem como de que forma podemos
contribuir para que a necessidade de se distribuir lanches e cobertores a esses
indivíduos diminua, ao invés de aumentar, conforme alguns estudos vem
apontando.
Larissa Jurado
Referencias
JUSTO,
Marcelo Gomes. Vida nas ruas de São
Paulo e alternativas possíveis – Um enfoque sócio ambiental; 2006.
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