Recentemente,
tive a oportunidade de ir a Potosí, uma cidade histórica da Bolívia, com
arquitetura colonial, muito conhecida devido a Casa Nacional de La Moneda, além, também pela mineração que ocorria
na época em que o país era província espanhola, período no qual a montanha de
Cerro Rico era explorada em busca de metais preciosos, principalmente a prata.
Os guias de Potosí falam que há duas pontes que unem a Bolívia à Espanha: uma ponte que leva até a Europa toda feita de riquezas que foram extraídas por anos, e, outra que retorna ao país andino feita por ossos dos escravos indígenas que trabalharam neste período. Conhecer e realizar o passeio guiado em Cerro Rico foi uma mistura de emoções. Era o passado e o presente em nossa frente, uma altitude de 4.800 metros acima do nível do mar e paisagem respeitável beleza, mas tristemente permeada de pobreza ao redor da montanha, juntamente com jovens mineradores, crenças e uma cultura que se mantém viva.
O que me chamou atenção foi o fato que a mineração ainda permanece forte na região, além das condições precárias de trabalho que os mineradores se submetem em busca da própria sobrevivência. E quando falo isso, não estou me referindo à falta de equipamentos, pois estes são usados e também devem ser usados na visitação, mas me refiro à alta jornada de trabalho em busca de metais, uso de bebidas alcoólicas, falta de oxigênio, a quantidade excessiva de mineradores, o fato
destes respirarem gases como o enxofre e a crença local de
que ao tomar álcool com 95% de pureza auxiliará o mineiro a encontrar pedras
mais puras. Aqueles homens ainda necessitam da montanha para sobreviver,
arriscam suas vidas e ainda, para agravar a situação, como Cerro Rico possui
muitos túneis subterrâneos, o governo boliviano busca soluções para estabilizar
o interior da montanha, realizando obras para evitar que a mesma afunde.
Por
outro lado, nessa região, ainda permanece forte a reverência ao sagrado, El Tío, por exemplo. Este é o deus das
minas, o qual protege os mineradores, que oferecem sacrifícios como folhas de
coca, cigarros e equipamentos de segurança, como um capacete e botas. Este deus
está presente em todas as minas, anualmente há festas para ele, sempre é
agraciado pelos mineradores. Isso lembrou-me uma reflexão de Jung, em seu livro
“O Homem e Seus Símbolos” no qual reflete como nossa mente traz ainda os
registros da nossa longa evolução histórica como seres biológicos, mas também
com uma psique que veio evoluindo e que traz em seu inconsciente símbolos
arquetípicos que se materializam em nossos sonhos e comportamentos, estes, muitas
vezes praticados de forma inconsciente. Mas que por outro lado, no caso dos
trabalhadores de Cerro Rico, são esses mesmos elementos psíquicos é que dão
esperança e alento para suportar os perigos do cotidiano difícil.
Tudo isso me fez questionar sobre a
complexidade que é se trabalhar com a problemática socioambiental!
Há
uma necessidade real de se alterar a economia local, haja vista que não há
outro tipo de obtenção de renda na cidade. Mas como fazer isso? Talvez
aproveitando, em projetos de Educação Ambiental, essas mesmas características
que alguns de nós poderia considerar místicas, fruto da ignorância, mas que segundo
Jung, nos garantiriam uma “identificação emocional inconsciente” com os
fenômenos naturais e que forneceriam uma profunda energia emocional que esta
conexão simbólica pode nos dar. Mas que fomos perdendo à medida que foi
aumentando o nosso conhecimento científico.
Enfim,
depois de refletir muito sobre essa experiência, a qual fiquei muito grata pela
oportunidade de poder vivenciar, continuo a pensar, conhecer e respeitar ainda
mais a cultura andina, dos bolivianos que tanto lutam em busca de melhores
condições. E com a certeza de que devemos promover transformações
socioambientais necessárias sempre a partir do respeito às crenças e valores do
outro. E por outro lado, sinto-me segura em saber que a graduação e depois o
mestrado no Programa Análise Ambiental Integrada me instrumentalizaram no
sentido de me tornar potencial catalisadora de transformações socioambientais,
sempre respeitando a diversidade e trajetória do outro.
Por
fim, despeço-me do blog (como colaboradora textual) com este texto e agradeço
pela oportunidade de contribuir neste espaço.
Rafaella Ayllón
Referência Bibliográfica
The Guardian - Natural resources and development. 'Bolivia's Cerro Rico mines killed my husband. Now they want my son'. Disponível em https://www.theguardian.com/global-development/2014/jun/24/bolivia-cerro-rico-mine-mountain-collapse-miners.
The Guardian - Natural resources and development. 'Bolivia's Cerro Rico mines killed my husband. Now they want my son'. Disponível em https://www.theguardian.com/global-development/2014/jun/24/bolivia-cerro-rico-mine-mountain-collapse-miners.
JUNG, Carl G. O Homem e Seus
Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
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